quinta-feira, 30 de abril de 2015

Toni C. fala sobre o Livro Sabotage e Literatura ao site da UJS

Em entrevista exclusiva ao site da UJS - União da Juventude Socialista, o escritor e produtor cultural Toni C. fala sobre a Biografia Autorizada que fez do Rapper Sabotage e fala um pouco sobre literatura marginal e comunicação.
Toni C. Obrigado por ter aceitado o convite, fale um pouco sobre como foi escrever a Biografia autorizada do Rapper SABOTAGE, e porque ele foi o escolhido por você e como foi à execução e construção deste trabalho?
É uma historia bem complexa, durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre em Janeiro de 2003 a gente estava participando de diversas ações, entre essas atividades tinha uma tenda dedicada ao hip hop, que se chamava “Cidade Hip Hop”, e naquela data nos íamos ter justamente uma agenda e participação do Sabotage. Só que a noticia que chegou pra gente é que o Sabotage não iria estar presente, nem naquela data nem nunca mais, porque ele tinha sido assassinado naquela manhã, e essa notícia da morte dele chegou primeiro pra mim. Eu tive que levar pra aquelas pessoas que estavam aguardando ele naquele espaço, e como naquela época não tinha as redes sociais como agora temos facebook, whatsapp, essas coisas, eu acabei sendo uma espécie de emissário da triste notícia da morte do Sabotage. Dez anos se passaram e eu tive a honra, o orgulho, e a possibilidade de ser um emissário novamente, só que desta vez, para contar um pouco da história da vida do Sabotage, já que no passado eu havia dado a notícia da morte dele, e fiz diretamente pra muita gente fundamental do movimento hip hop, lideranças, radialistas que me ensinaram e passaram informações sobre o hip hop, e que naquele momento invertia as coisas eu é que estava sendo o informante da situação e do acontecido.

Passado algum tempo eu até me esqueci um pouco de tudo isso, de toda esta história, mas uma noite eu acordei com uma rajada de tiros, uma guerra acontecendo do lado de fora de casa, muita gente da quebrada morrendo, em meio a esta violência desmedida que acontece na periferia. Aquilo me passou uma sensação de impotência, vendo as coisas acontecer a metros de casa e a gente sem poder fazer nada, e foi naquele momento de impotência sem saber o que fazer, foi o que me levou a pensar, “poxa será que a gente não pode fazer nada mesmo?”. Foi quando eu pensei “sim, eu posso fazer algo!”. Não posso sair lá fora e entrar nessa guerra e tentar abater quem está causando esta algazarra toda, e esta tragédia, mas tem uma maneira de eu pautar isso, pautar a questão da violência que extermina a juventude preta e pobre da periferia, e usar como símbolo o Sabotage e sua trágica e precoce morte, pois o Sabotage vem a ser um símbolo de resistência, mas também um exemplo de como nossa juventude é vitima da arma de fogo e da triste realidade da violência, este foi o impulso que faltava pra gente encampar isso aí e o resto vira história.
Como se deu a relação com a família do Sabotage, eles receberem bem a ideia? Eles tiveram participação e colaboração no processo do livro?
Então, uma das coisas que me levou a repensar o projeto, que ficou adormecido durante 10 anos, foi justamente porque eu não tinha este contato direto com a família, eu tive alguns contatos em eventos, atividades, enfim, mas foi coisa pontual e não sabia de nada referente aos interesse deles ou algo semelhante. Quando eu reestabeleci contato com eles através da revista Rap Nacional numa entrevista com os filhos do Sabotage, eu disse a eles do meu interesse e disposição em contar e resgatar um pouco da história do Sabotage, e para a minha surpresa eles disseram que já tinham interesse em fazer isso, mas que nunca tiveram condições e oportunidades. Então, somaram-se as vontades e os esforços, e parti dali o livro foi se materializando.
Hoje não só em São Paulo, mas em vários cantos do Brasil, é muito presente o Sarau, e com isso a presença de novos escritores, em especial da Literatura marginal. Estes espaços e este novo cenário ajudam no surgimento de novos escritores? Tem espaço pra toda esta galera? Como você vê este novo cenário?
Na verdade eu vejo que este cenário nem é tão novo assim, já tem um tempo que as coisas acontecem e se produz literatura na perifeira. Para se ter um exemplo o projeto que virou ponto de cultura, que é o Hip Hop a Lápis, já tem mais de uma década, então tem muita gente produzindo literatura na periferia, e claro que os Saraus são um grande responsável. Eu costumo dizer que os saraus, principalmente em São Paulo, onde eu conheço bem, tem um caráter epidêmico, o tempo todo está surgindo sarau nas quebradas, às vezes no mesmo bairro tem mais de um.
Agora se tem espaço pra tudo isso eu não tenho a resposta pronta, mas eu acho que a literatura não foi feita para poucos, ela foi feita para muitos, por outro lado, não sei se foi feita para tantos assim, no sentido que quero dizer que na verdade eu acredito que ela foi feita para os verdadeiros! Será que também agora todo mundo tem que ser escritor? Será que a gente também não pode ter escritores de projetos? Tem tanto edital público aberto, tanto edital da iniciativa privada. Será que ninguém vai ser repórter, vídeo repórter ou radialista? Então eu acho que a gente tem que conhecer e aperfeiçoar nossas características, nosso talentos, e dar possibilidade para esta vazão, porque todo mundo tem talento, mas eu não sei se todo mundo vai ser escritor, não sei se todo mundo é um escritor, a gente é escritor da nossa própria vida, mas não sei se todo mundo pode ser um escritor de um romance, de uma crônica, de uma ficção, de uma biografia, até porque eu não sei se todo mundo lê, se todos são leitores, porque acredito que o primeiro passo é ler, é participar do sarau, produzir sua própria literatura para consumo próprio, e quem sabe assim estas pessoas possam ser sim um escritor!
Nosso projeto inicial antes de virar o LITERARUA, e virar biografia do Sabotage, nosso projeto se chamava Hip Hop a Lápis, pois o lápis está acessível a qualquer um, qualquer pessoa pode se empoderar do lápis e escrever sua própria história.
Como você vê esta relação dos meios de comunicação e as novas mídias? As novas ferramentas em relação à Literatura e aos próprios livros em si, elas se somam ou se atrapalham?
Parece-me que se somam, somam forças e a gente tem que se apropriar destas ferramentas, mas tem que saber chegar, tem que saber se comunicar, pois a gente vive num momento onde nunca antes a gente teve a possibilidade de ter voz, ter vez de narrar nossa história. Quem disse que nós estamos sujeitos a ser apenas notas de rodapé dos livros de história? Acho que nós podemos narrar nossa própria história pela primeira vez e ser a capa do livro, e de capa em capa ter a nossa história representada, mas como isso é muito novo, também é comum a gente ver muito mais um apelo para violência, para banalidade, para coisas do passado como a ditadura, que parece que muitos têm saudades deste tempo da falta de democracia. Então a gente também vai precisar conviver com estas situações reais da comunicação atual, eu sinto que tem muita gente falando e pouca gente ouvindo, e a comunicação acontece quando a gente para e ouve, e num segundo momento a gente fala e tem essa troca, e é a partir daí que vira um diálogo, porque o dialogo ainda não aconteceu. As ferramentas estão todas aí, e esta comunicação e este dialogo precisa ser fortalecido.
Toni obrigado pela entrevista, pelo papo, deixa um salve pra galera e pra pessoas que acompanham seu trabalho.
Eu que agradeço ai o convite, e digo que a gente também está à disposição para quem quiser trocar informação e se comunicar, seja pra elogiar, criticar, debater, eu que agradeço a mais este espaço que se abre para o nosso povo e estamos aí pra somar com a galera.
Toni C. é escritor, produtor cultural e artista multimídia. É autor da biografia “Um Bom Lugar – Sabotage” e do romance “O Hip-Hop Está Morto!”. Membro fundador da Nação Hip-Hop Brasil, dirigiu o longa-metragem “É Tudo Nosso” e atua como pesquisador do programa Estação Periferia (TV Brasil). O artista foi reconhecido pelos prêmios Tuxáua e Escola Viva, do Ministério da Cultura, como uma das 50 pessoas mais influentes da cultura brasileira.

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