quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Sobre o uso utilitarista do Hip Hop – Por Richard Santos


Em vários livros citados no artigo anterior, e em livros sobre o movimento Hip Hop “around the world” (mundo a fora), uma tônica é sempre encontrada: o caráter de manifestação contracultura estabelecida da cultura Hip Hop.

Em letras que vão de Racionais MCs, “Voz ativa”, por exemplo, passando pelo carioca MVBill, Só mais um maluco, aos mestres afro-americanos do Public Enemy, Don`t Believe tha Hype (Não acredite na moda), é o chamado a contestar o padrão hegemônico estabelecido que unifica a postura dos hip hopper`s pelos quatro cantos do planeta.

Fato é, que de certa forma temos perdido esta essência unificadora da cultura. O que dá liga a um movimento, o que o unifica, para que passe a ser considerado cultura são seus signos identificadores e aglutinadores que, em certa medida, devem ser maiores do que os dissonantes. Daí que há algum tempo tenho visto esta transformação, estes vários caminhos seguidos por esta representação de lideranças do movimento Hip Hop e tenho dúvidas se ainda podemos nos creditar o termo “cultura”.

Será que o mundo em constante transformação e processamento de novos modos e costumes a cada segundo não têm provocado uma certa alienação nas lideranças e ativistas do movimento? Movimento ou cultura?

Marx desenvolveu, em seus escritos iniciais, na época de jovem, a teoria da alienação. Entre outras construções, ele dirá que esta perspectiva teórica procura caracterizar e explicar o estranhamento da humanidade em relação a sua sociedade, sua natureza essencial ou potencial. Para o eurocêntrico filósofo alemão, a humanidade distingue-se de todas as outras espécies animais por sua habilidade não apenas de transformar seu ambiente, mas de transforma-lo através de atividade consciente.
Veja bem, Marx diz; “transformá-lo através de atividade consciente”. Me respondam; os humanos ligados ao movimento hip hop têm transformado o seu meio, sua quebrada, sua comunidade através de atividade consciente ou apenas atrás de garantir uns trocados, ganhar um ouro, seguindo a filosofia do “filósofo” estadunidense Curtis James Jackson III, popularmente conhecido como 50 cents? Qual caminho a seguir?

Estas indagações surgem e proporcionam reflexão quando observamos lideranças associadas a organizações outras que não diretamente ligadas ao Hip Hop sucumbindo aos interesses alheios aos interesses do movimento. Cultura? Hip Hop que nos legitimam e dão caminho.

UTILITARISMO

O cientista político italiano Norberto Bobbio, afirma que: o utilitarismo pode ser compreendido a partir da teoria social como relativo a origem e ao desenvolvimento de nossas concessões e de nossas atitudes morais. Trata-se de compreender a origem dessas atitudes e como ela nasce nas experiências de prazer e de dor, que estão regularmente ligadas a certos tipos de comportamento com base nos quais o homem, enquanto for capaz de simpatia ou provido de inato sentido de “benevolência”, desenvolve atitudes favoráveis em relação a estes tipos de comportamento, que provocam consequências agradáveis e atitudes desfavoráveis em relação àqueles comportamentos que provocam experiências dolorosas.
Você que está lendo este texto, em que momento você reafirma sua posição contestatória e independente frente ao sistema, e em que lugar você se coloca na luta de classes para não perder seus mínimos direitos ou esmolas conquistadas? Não precisa me responder, pense, leve para seu travesseiro suas respostas, e quiçá vergonhas.
DESCOLONIALIDADE

Frantz Fanon, ao escrever o clássico “Os Condenados da Terra” (1961), abriu caminho para o que posteriormente viríamos chamar de descolonialidade. Uma proposta de ação desconstrutora das ações coloniais. E o primeiro construto de Fanon, é que precisamos criar uma mentalidade que desconstrua os signos e matizes de subserviência do imaginário imposto pela colonialidade.

Esta colonialidade está inserida no imaginário televisivo construído em favor do mundo branco, de padrão eurocêntrico, este imaginário está, também, relacionado a uma possível revolução feita à esquerda, mas que seus líderes são todos brancos e de signos burgueses, este imaginário está associado as nossas organizações de juventude que contestam o sistema e mesmo assim reproduz seus signos e modos de agir. Relega os “diferentes”, em sua maioria jovens negros e periféricos, ao lugar da sala reservado aos serviçais, ao fundo do palco, a fazer coro para o cantor, orador principal.

Enfim, o que proponho aqui são reflexões para a nossa atuação, e sobrevivência de uma Nação Hip Hop, muitas vezes emudecida mas leitora e reflexiva sobre os rumos do movimento, Cultura?, resistente há mais de trinta anos e que não pode ser tratada com leviandade e utilitaristamente usada por quem diz ser nossos aliados. Aliados, irmãos, camaradas, dão as mãos e caminham juntos para a construção a partir de uma igualdade, e nunca, jamais denunciando no discurso a opressão e na prática acentuando o alijamento e desigualdade do mundo burguês e branco a que estamos inseridos.

*Richard Santos é doutorando em Ciências Sociais, CEPPAC-UNB. Mestre em Comunicação/Especialista em História do Brasil/Graduado em Ciências Sociais


Nenhum comentário:

Postar um comentário